Mediação de Conflitos: Exercício de Cidadania e de Prevenção

Tania Almeida
Mestranda em Mediação de Conflitos. Consultora, pesquisadora e docente em Mediação de Conflitos e em Facilitação de Diálogos. Preside o MEDIARE – Diálogos e Processos Decisórios. Médica. Pós- Graduada em Neuropsiquiatria, Psicanálise, Sociologia e Gestão Empresarial.

 

O terceiro milênio traz desafios desconhecidos até então. O homem chega ao terceiro milênio especialmente aparelhado para a beligerância e sedento de mecanismos que garantam a paz social. Compete avidamente em alguns campos da convivência e encontra na colaboração a única forma de garantia da sobrevivência. Tem uma busca crescente por liberdade e procura bem cuidar da necessária interdependência entre pessoas, países, mercados.

Para lidar com esses e outros contrastes, identifica na convivência pacífica o bem maior. É ela quem pode possibilitar a coexistência da competição e da colaboração, das diferenças culturais, de ideais e de valores. É ela quem pode viabilizar um presente e gerar um futuro resguardados da violência como forma de interagir com o outro e de manejar tantos contrastes.

Compor diferenças – entre pessoas, instituições, países e culturas – de forma a mantê-las legitimadas e a encontrar uma solução, ou maneira de lidar, que atenda a todos é o que pode garantir uma convivência pacífica. Os mercados comuns, as fusões empresariais, as ações cooperativas em torno ao meio ambiente, as parcerias relativas a projetos são exemplos disso.

A Mediação de Conflitos surge, neste cenário, guardando especial coerência com todas essas necessidades – a composição de diferenças com soluções de mútuo benefício. Pensada inicialmente para ser um método autocompositivo de resolução de conflitos – em que as próprias pessoas são autoras da decisão -, transcendeu esse propósito.

Autoras das soluções de suas controvérsias as pessoas tornam-se mais comprometidas com o seu cumprimento. Sentem-se responsáveis pelo que decidem, diferentemente de quando as soluções são impostas por outrem. Criando soluções que atendam a todas, elas podem manter sua relação social porque não haverá um ganhador e um perdedor como ocorre quando as diferenças são resolvidas por meio de métodos adversariais – quando um ganha e o outro perde.

A Mediação de Conflitos é um método autocompositivo também dedicado àrestauração da relação social, o que a diferencia de outros métodos autocompositivos como a negociação e a conciliação. É um processo de diálogo que inclui a desconstrução do conflito, o restauro da relação social e a construção de soluções em co-autoria. Sua operacionalização foi assim pensada porque acredita-se que a co-autoria, e a resultante co-responsabilidade necessária para o cumprimento do acordado, somente podem advir daqueles que puderam tratar o conflito existente entre eles.

A restauração da relação social implica em retomar uma qualidade de comunicação e de convivência pautadas no respeito mútuo, de forma a garantir a sustentabilidade do diálogo e a não trazer custos para terceiros que participam daquela convivência – filhos, funcionários, sócios, vizinhos, parceiros de projetos ou de trabalho. Ela é trabalhada em paralelo à identificação de soluções em benefício mútuo. São esses os objetivos cidadãos da Mediação: auxiliar pessoas a construírem soluções de benefício mútuo, em co-autoria e com comprometimento, preservando a relação social entre elas.

A Mediação cuida, então, dos conflitos, da construção de acordos e da relação social entre os conflitantes. Por essas características tem sido eleita o instrumento de resolução de conflitos de excelência para as relações continuadas no tempo – relações de vizinhança, de parentesco, de trabalho, de parceria.

Uma série de benefícios secundários vêm sendo observados como conseqüência do seu exercício. Participantes da Mediação aprendem uma forma pacífica e colaborativa de negociar diferenças. Cidadãos melhor intrumentalizados para um diálogo produtivo – aquele que privilegia a escuta mútua à contra-argumentação, a construção de consenso ao debate, o entendimento à disputa – podem atuar preventivamente quando forem integrantes de controvérsias futuras, assim como podem atuar como terceiros, facilitando diálogos entre outros.

São os cidadãos fazendo a sua parte na soma de esforços que devem ser multifocais e multidisciplinares quando a direção é a pacificação social. São os cidadãos assumindo a responsabilidade por seus atos, elaborando soluções mais satisfatórias na medida em que são os melhores conhecedores de suas prioridades e necessidades.

Habituado a passar da negociação direta para a resolução judicial, sem apelar para recursos intermediários na busca de resolver controvérsias, o homem tem judicializado e criminalizado ações da convivência diária. Ele precisa ser novamente convidado ao diálogo, recurso primeiro da convivência pacífica e do respeito mútuo.

Alguns de nós administra a responsabilidade adicional de atuar como aquele que oferece uma primeira abordagem para pessoas em conflito. Advogados, policiais, defensores, terapeutas, religiosos, entre outros, são os primeiros a serem procurados, ou indicados, para auxiliar pessoas em suas divergências. É fundamental que tenhamos a consciência da importância dessa primeira abordagem. Ela poderá auxiliar a conduzir o evento da discordância com maior ou menor grau de adversarialidade, com maior ou menor grau de violência.

Somente a visão global e multifatorial da convivência humana – compreensão sistêmica – poderá nos auxiliar a perceber os aspectos, legais, sociais, emocionais, e outros, dos conflitos. Somente ela e o nosso constante aprimoramento na busca de conhecer outras possibilidades para lidar com as controvérsias poderão fazer-nos cidadãos co-responsáveis por uma abordagem mais abrangente das questões humanas. Nenhum saber, em particular, dá conta de tratar os conflitos em sua magnitude. É preciso visitar outras áreas de conhecimento se queremos cuidar do desentendimento humano com maior abrangência.

É preciso revisitar nossas crenças, neste momento em que a dinâmica social ganha mais horizontalidade, conferindo mais responsabilidades a cada cidadão em lugar da quase exclusiva responsabilidade do Estado na tarefa de resolver controvérsias. Vale a pena examinar se nossos métodos de resolução de conflitos, se nossas abordagens profissionais, sociais e educativas, se os valores que praticamos nesses métodos e nessas abordagens estão coerentes com a cultura da paz.

Novas competências, novas habilidades, novos conhecimentos são necessários, a todos, para lidar com essa solicitação. Cada cidadão, co-autor do cenário do desentendimento ou responsável por seu manejo, pode ser, igualmente, co-autor de sua solução. Faz parte da competência social do homem deste milênio a habilidade para lidar com as diferenças e os desacordos de forma pacífica, implicando-se na solução. Faz parte da competência social deste milênio, sujeitos mais voltados para a solidariedade do que para o enfrentamento.

A convivência pacífica, a ampliação de acesso à justiça, a prevenção da violência e a inclusão social, integrantes do conceito de Segurança Integral, são elementos cuidados pela Mediação de Conflitos. Práticas políticas e práticas pedagógicas, ações globais e ações locais, ações públicas e ações privadas, ações coletivas e ações individuais são necessárias para a construção de uma cultura voltada para a pacificação social. Façamos a nossa parte.