Mediação de Conflitos e Políticas Públicas

Tania Almeida
Pós- Graduada em Neuropsiquiatria, Psicanálise, Sociologia e Gestão Empresarial. Mestranda, consultora e docente em Mediação de Conflitos e em Facilitação de Diálogos. Preside o MEDIARE – Diálogos e Processos Decisórios

As múltiplas definições relativas às políticas públicas nos levam por vezes a entendê-las como políticas governamentais e partidárias, que estariam então sujeitas às alterações cíclicas de mudança do poder, ou, ainda, a compreendê-las como ações que envolvem múltiplos atores (governamentais e não-governamentais), possíveis expositores de suas necessidades e interesses e co-responsáveis pela identificação e implementação das soluções cabíveis. Inequívoco, no entanto, é o seu objeto de atuação: toda e qualquer área social.

Qualquer área social, que naturalmente implique em políticas públicas, pode produzir conflitos ou disputas de amplitude e grau variados. Essas disputas ocorrem, invariavelmente, entre múltiplos atores: a comunidade e aqueles que representam seus interesses e decisões, distintos órgãos governamentais, organizações privadas e entidades não governamentais. Em algumas situações há uma rápida escalada do conflito e em outras ocorre a exacerbação de desentendimentos crônicos. Algumas são previsíveis e outras surpreendem.


Um programa efetivo de manejo de conflitos em políticas públicas deve ocupar-se de alguns princípios e cuidar de determinados aspectos:

  • como estes conflitos são um misto de procedimentos, relacionamentos e substância, é preciso cuidar desses três aspectos em sua resolução. Os aspectos habitualmente privilegiados na resolução dessas contendas são os procedimentos e a substância, com um menor ou nenhum cuidado com as relações. Ideal seriam os métodos de resolução de controvérsias que pudessem ocupar-se, de modo equilibrado, dos procedimentos, da substância e, também, das relações entre todos os envolvidos;

 

  • como esses conflitos envolvem múltiplos atores – pessoas físicas e pessoas jurídicas, órgãos governamentais e não-governamentais – eles também incluem uma complexa rede de interesses entre esses atores que, de maneira geral, não têm um relacionamento continuado, possuem distintos níveis de conhecimento sobre o tema e manejam diferenciados patamares de poder e de responsabilidade relativos à questão. Assim sendo, a resolução desses conflitos tende a ser desequilibrada no atendimento a esses distintos interesses e na designação de responsabilidades relativas a sua provocação e a sua resolução. Os recursos ideais de resolução de conflitos nessas situações seriam aqueles que balanceassem o conhecimento técnico, o poder e a responsabilidade por sua provocação e resolução e, em especial, atendessem aos múltiplos interesses da rede de atores implicada;

 

  • como esses conflitos, além de envolverem uma gama de questões – financeiras, de saúde, sociais, de valores, técnicas e outras –, identificam e agregam, invariavelmente, no curso de seu desenvolvimento, novos temas, por vezes fomentadores do conflito nuclear e sempre carentes de solução, os processos mais eficazes de resolução seriam aqueles que pudessem não apenas cuidar das distintas questões implicadas, mas também ter a flexibilidade necessária para incluir os temas novos

 

Partindo do notório pluralismo de atores e de temas e da inegável e necessária interdependência entre eles, a gestão de políticas públicas deve considerar anegociação como instrumento fundamental na geração de consenso e na viabilização de propostas de ação conjunta, propiciadoras únicas de sua sustentabilidade. Somente as ações e as soluções que envolvem seus múltiplos atores, em co-autoria, podem resistir às alterações cíclicas de mudança de poder. Somente elas podem melhor utilizar os recursos disponíveis para satisfazer interesses comunitários vários.

A Mediação de Conflitos é um instrumento de negociação assistida por um terceiro, o mediador, que inclui em seus princípios fundamentais e procedimentos aspectos absolutamente compatíveis com as demandas, os objetivos e os benefícios concernentes à resolução dos conflitos oriundos do campo das políticas públicas.

Os conflitos, de maneira geral, e, em especial, aqueles advindos de políticas públicas ocorrem quando os atores envolvidos percebem como incompatíveisseus objetivos, idéias, necessidades, interesses, propostas ou projetos. Essa percepção transforma discordâncias em conflitos e propicia condições para que posições defensivas antagônicas passem a dominar o diálogo. Todos os instrumentos adversariais de resolução tendem a acirrar essas posições uma vez que são elas os escudos protetores dos interesses e necessidades mais diletos.

A Mediação de Conflitos possibilita identificar os interesses e as necessidades que jazem sob as posições adversariais, propiciando que sejam articulados e negociados. Viabiliza preservar a relação positiva entre as pessoas envolvidas na medida em que da Mediação não surgirá um ganhador e um perdedor mas um conjunto de ganhadores com suas necessidades e interesses atendidos, com mútuos benefícios contemplados e com as responsabilidades pela autoria das soluções e por sua execução compartilhadas.

Os processos de diálogo oriundos dos métodos alternativos de solução de conflitos, como a Mediação, são úteis não somente no manejo de conflitos como também na construção de projetos e de regulamentações negociadas em políticas públicas.

A Mediação tem inspirado a construção de processos de diálogo que buscam contemplar procedimentos que atendam às diferentes situações geradas pelos conflitos ou pelas demandas em políticas públicas, em busca de produzir os benefícios anteriormente mencionados. Seguem discriminados três desses procedimentos advindos da Mediação:

  • Facilitação de diálogos: processos pautados no diálogo cooperativo e na construção de consenso, geralmente coordenados por uma equipe de facilitadores / mediadores. Esses processos podem incluir distintos métodos de resolução de conflitos em seu curso – mediação, negociação, arbitragem, review boards? e outros -, de forma a melhor manejar as distintas fases e as diferentes necessidades geradas por uma questão conflituosa.

 

  • Processos colaborativos: processos pautados no diálogo cooperativo e na construção de consenso, geralmente coordenados por uma equipe de mediadores que, eleita pelas partes envolvidas, com elas estabelece contatos individuais e conjuntos – reuniões privadas e reuniões plenárias – auxiliando-as desde a eleição de seus representantes até o aprendizado necessário para participarem de fóruns negociais dessa natureza. Esta equipe desenha o processo de diálogo, o coordena e mantém-se disponível tanto para acompanhar sua implantação quanto para o seu monitoramento.

 

  • Construção de consenso: um exemplo de processo colaborativo, como acima descrito, com um ritual particular que norteia a sua operacionalização e estabelece norteadores para a postura participativa de seus atores.

 

Alguns procedimentos são comuns a esses processos, buscam objetivos semelhantes e ocorrem em uma seqüência que visa à construção de acordos, sua implementação e monitoramento:

  • Mapeamento e análise do conflito: nesta etapa identificamos, por meio de entrevistas individuais com cada grupo de implicados, quem são osatores envolvidos – os primários e aqueles que sofrerão os custos e os benefícios das decisões eleitas; deles solicitamos a descrição do desentendimento / problema e sua evolução no tempo; com eles também obtemos informações sobre os processos de resolução já tentados até então. 
    Ainda nesta etapa identificamos as alianças (uniões entre alguns) e as coalizões (uniões entre alguns contra outros) existentes entre os diferentes atores e o seu mapa relacional – ele nos auxilia a aglutinar determinados atores em torno a determinados interesses e a desmembrá-los frente a outros temas. 
    Durante a análise e o mapeamento do conflito identificamos as necessidades e os interesses de cada ator, assim como a necessidade de uniformização de informações técnicas e de habilitação para participar de um processo de diálogo que visa à colaboração e ao consenso. Pode também ser parte desse trabalho ajudar os seus atores a elegerem seus representantes e a com eles estabelecer norteadores de atuação nas negociações.

 

  • Desenho do processo de diálogo: esta etapa implica em planejamento e construção de estratégias que delimitem o passo-a-passo do processo negocial e é constantemente revista e redesenhada de acordo com o andamento do processo, seus progressos e impasses. 

    Dois procedimentos são fundamentais nessa etapa: uma definição positiva do problema e uma convocatória adequada a cada ator de forma a motivá-lo a participar do processo. A definição positiva do problema precisa contemplar as necessidades e os interesses de todos os atores, deve mostrar a interação entre eles e identificar suas necessidades, assim como delinear benefícios comuns a todos de forma a motivá-los a participar do processo de diálogo.

 

  • Implementação do processo de diálogo: durante esta etapa ocorrem reuniões plenárias e reuniões privadas envolvendo todos os atores. As reuniões privadas servem para que os atores negociem internamente a flexibilização de suas posições baseados nas informações técnicas surgidas e naquelas advindas do diálogo entre todos. O aporte de informações técnicas e a conversa com a imprensa, considerada nesses processos como mais um ator, são ocorrências vitais nesta etapa. 
    Esses processos são pautados na inclusão e na transparência, o que motiva serem desenhados de forma a não deixar de fora nenhum dos atores e a manter todos eles de posse de toda a informação produzida ou requerida para embasar soluções ou decisões. 
    O resultado final desta etapa é a construção de consenso. Por consenso entende-se um conjunto de decisões que contemple a todos em suas necessidades maiores e com as quais todos possam conviver(Consensus Building Handbook). 
    A elaboração de um documento formal que discrimine um acordo construído dentro das margens da ética e do Direito, e a sua apresentação às autoridades competentes, possibilita conferir-lhe valor legal e normativo.

 

  • Implementação e monitoramento do acordo: esta é uma etapa delicada e merecedora de acompanhamento por parte da equipe de mediadores. Nela são necessárias micro-negociações que objetivam a operacionalização do acordo durante a sua fase de implantação. O monitoramento visa a acompanhar os resultados e as ações de curto, médio e longo prazos e permite a avaliação de seu impacto, assim como a identificação da necessidade de novas negociações.

 

Os principais benefícios advindos da utilização desses processos pautados no diálogo estão especialmente baseados no resgate do “protagonismo” de seus atores:

  • os envolvidos no conflito participam da construção da solução, em contrapartida ao paradigma paternalista no qual se submeteriam às soluções estabelecidas por terceiros;

 

  • participam também da otimização dos recursos disponíveis no atendimento dos interesses e necessidades de todos os atores, inclusive daqueles que não integram diretamente o processo negocial mas são por ele afetados;

 

  • participam da transformação de uma convivência ressentida em uma convivência cooperativa e da conseqüente detenção da escalada do conflito;

 

  • empenham-se no cumprimento de acordos nos quais todos os envolvidos estão satisfatoriamente contemplados e são co-responsáveis por sua construção e execução, o que confere a esses acordos e à mencionada convivência transformada, sustentabilidade. 

 

Em processos dessa natureza os benefícios e os compromissos assumidos ficam bem distribuídos, os riscos políticos, sociais e financeiros ganham equivalência, os incentivos para cumprir os compromissos estão implícitos na sua co-autoria e o seu não cumprimento implica em conscientes riscos para todos.


Referências Bibliográficas

BENS, Ingrid. Facilitating with ease! Core skills for facilitators, team leaders and members managers, consultants and trainers. 2.ed. San Francisco, CA: Jossey-Bass, 2005.

BUNKER, Barbara Benedict, ALBAN, Billie T. The handbook of large group methods: creating systemic change in organizations and communities. San Francisco, CA: Jossey-Bass, 2006.

CARPENTER, Susan L.; KENNEDY, W.J.D. Managing public disputes: A Practical Guide for Government, Business, and Citizens’ Groups. 2ª ed. San Francisco: Jossey-Bass, 2001.

DIEZ, Francisco; TAPIA, Gachi. Herramientas para trabajar en mediación.Buenos Aires: Paidós, 1999.

FUNDACIÓN CAMBIO DEMOCRÁTICO. Manual – Construcción de Consenso:los processos colaborativos. Buenos Aires: Fundación Cambio Democrático, 2003. www.cambiodemocratico.org

GARCEZ, José Maria Rossani. Técnicas de Negociação – Resolução alternativa de conflitos: ADRS, Mediação, Conciliação e Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002.

Instituto Internacional de Educação do Brasil. Manual de Comunicação e Meio Ambiente. São Paulo: Petrópolis, 2004.

MEDIADORES EN RED: la revista. Divulgación de métodos para la resolución pacífica de conflictos (caso 4). V.2, nov. 2004. Buenos Aires: Fundación Mediadores en Red. Edição especial.

MOORE, Christopher W. O Proceso de Mediação: Estratégias Práticas para a Resolução de Conflitos. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

RAGGI, Jorge Pereira, MORAES, Angelina Maria Lanna. Perícias ambientais:solução de controvérsias e estudos de casos. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2005.

SAM, Kaner. Facilitator’s guide to participatory decision-making. San Francisco: Jossey Bass, 2007.

SERPA, Maria de Nazareth. Teoria e prática da mediação de conflitos. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 1999.