A metodologia do programa Mediação de Conflitos do Governo do Estado de Minas Gerais: Uma experiência em Mediação Comunitária

 Ariane Gontijo Lopes Leandro et al (Orgs.)

  1.  Introdução

 O presente trabalho apresenta a metodologia consolidada1 do Programa Mediação de Conflitos (PMC), desenvolvido pela diretoria do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos da Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade, órgão da Secretaria de Estado de Defesa Social no âmbito do Governo de Minas Gerais. Trata-se de uma política pública com recorte territorial e comunitário, objetiva empreender ações de mediação de conflitos, orientações sociojurídica, articulação e fomento à organização comunitária, de forma promover os direitos humanos e a valorizar o capital social de cada comunidade. Sua dinâmica tem caráter participativo, dialógico e inovador, possibilitando a abertura de novos mecanismos de acesso à justiça social e transformação sociopolítica de pessoas, grupos e comunidades. Atua em níveis individual, coletivo e comunitário. O Programa Mediação de Conflitos, rompendo com fronteiras e limites demarcados historicamente, a partir do aprimoramento metodológico advindo da sua experiência há mais de 06 anos como política pública, é caracterizado com centralidade pela participação social com foco na noção de comunidade, neste sentido, evidenciamos nesta prática a experimentação de um novo paradigma, a da Mediação Comunitária, enquanto método de resolução pacífica de conflitos, desenvolvendo instrumentos para a minimização dos riscos sociais, da redução das vulnerabilidades e do enfrentamento às violências, e vem sendo implementado nas regiões com altas taxas de criminalidade violenta do Estado de Minas Gerais.

 

Abordaremos o organograma metodológico do PMC, evidenciando a estrutura dos núcleos centrais conceituais e os seus 4 eixos orgânicos: 1) eixo atendimento individual, 2) eixo atendimento coletivo, 3) eixo projetos temáticos e 4) eixo projetos institucionais. Por meio destes eixos as demandas apresentadas ao PMC pelas populações moradoras dos aglomerados urbanos, bairros, vilas e favelas se organizam e são atendidas, no que diz respeito às questões relacionadas ao exercício da cidadania e na garantia dos direitos humanos.

  1. O Programa Mediação de Conflitos e a política de prevenção à criminalidade

Com base na Lei Delegada 56, Resolução 5210 de 12 de dezembro de 2002 e sustentada pela Constituição Federal no seu artigo 144, a proposta da política pública de prevenção à violência e criminalidade desenvolvida pela Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, traduz-se em inovação no cenário brasileiro da segurança pública, configurando a denominada Segurança Pública Cidadã, uma vez que é dever do Estado e é também responsabilidade de todos. A Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade (CPEC), órgão no Estado de Minas Gerais inserido na Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS)2, criada em 2002 pela Lei Delegada 56 Resolução 5210 de 12 de dezembro de 2002, tem como desiderato o planejamento, implantação e gestão de programas que promovam a redução das taxas de criminalidade através de ações preventivas em níveis primário, secundário e terciário.

O Programa Mediação de Conflitos (PMC) tem como aporte: estrutura logística, recursos materiais e humanos, e são desenvolvidos em parcerias com organizações não-governamentais3. A política de prevenção à criminalidade é implantada a partir de diagnósticos quantitativos e qualitativos produzidos pelo Governo Estadual de Minas Gerais em parceria com universidades e centros de estudo e pesquisa sobre o fenômeno da criminalidade e violência. Desta forma, o PMC aplica sua metodologia proporcionando às comunidades atendidas instrumentos de gestão de conflitos, possibilitando as soluções pacíficas que façam prevalecer os direitos humanos e fundamentais dos cidadãos e das cidadãs. O objetivo do PMC, além dos já mencionados acima, dentro da Política de Prevenção à Criminalidade é prevenir fatores de riscos4 e conflitos potenciais e/ou concretos, evitando que estes sejam propulsores de ações violentas e delituosas entre os participantes envolvidos. O Programa orienta-se por sua metodologia e pelas diretrizes gerenciais da política de prevenção à criminalidade, sobretudo a partir dos contextos e dinâmicas locais, culturais, organizacionais e dentro das amplas e diversas manifestações dos conflitos, das violências e das criminalidades encontradas em cada comunidade. Ao identificar os fatores de riscos vivenciados pelas comunidades, o PMC constrói propostas de ações transversais participativas com os grupos locais, no intuito de consolidar fatores de proteção baseados nos princípios da mediação, diminuindo assim os processos de criminalização e de violência.

Um fator fundamental, quando temos o objetivo de expor a metodologia do PMC, trata-se da sua origem e trajetória. O Programa surgiu da parceria entre o Programa Pólos de Cidadania e a Secretaria de Estado de Defesa Social, pois a partir de 2005, a metodologia do Programa Pólos de Cidadania5 foi incorporada a estrutura do Governo do Estado de Minas Gerais com o nome Programa Mediação de Conflitos.

O Pólos é um programa interinstitucional com sede na Faculdade de Direito da UFMG, que objetiva aliar atividades de ensino, pesquisa e extensão, promovendo a inclusão e a emancipação de grupos com histórico de exclusão e trajetória de riscos sociais. Criado em meados da década de 90, o Pólos se originou a partir do diálogo entre um grupo de pesquisadores da Faculdade de Direito, com o objetivo central de compreender as possíveis reformas do Judiciário, sobre a judicialização dos conflitos e formas de acesso à Justiça, especialmente entender as noções de direito dos moradores que viviam nas localidades denominadas favelas e aglomerados urbanos de Belo Horizonte. As favelas são marcadas por amplas situações de exclusão e são em sua maioria alijadas do acesso formal aos direitos básicos e fundamentais. Esse grupo de pesquisadores em contato com essas localidades formularam um “Projeto” que se denominaram Núcleos de Mediação e Cidadania (NMC), proporcionando por meio dessa relação à criação de uma metodologia que valorizasse a participação dos grupos na consolidação de seus direitos, na solução e criação de respostas aos problemas e conflitos apresentados, de modo a integrar as diversas percepções e os diversos saberes envolvidos.

A partir de 2006, o PMC passou a ser gerenciando integralmente pelo Estado, e ao longo dos anos veem consolidando e ampliando sua metodologia e seus resultados, chegando ao ano de 2011 com mais de 100 mil atendimentos em mediação de conflitos e orientações sociojurídica (individuais e coletivos), mais 67 projetos temáticos, centenas de coletivizações de demandas, dezenas de ações de diagnósticos comunitários, entre outras diversas e complexas formas de mobilização, de articulação comunitária e de fomento a rede local. Atualmente o somatório dos profissionais do PMC chega a cerca de 200 mediadores (diretoria, coordenação, gerencias, supervisores, gestores, técnicos sociais e estagiários das áreas de Psicologia, Direito, Ciências Sociais, Serviço Social, História, Pedagogia, entre outras) que passam por formação inicial e continuada, e se mantém qualificados para desenvolver a metodologia do PMC, além do suporte diário desenvolvido pelo acompanhamento das supervisões metodológicas do Programa e as constantes reflexões originadas por meio dos encontros metodológicos que acontecem semanalmente desde 2005 e as diversas reflexões realizadas, semanalmente, por meio das discussões de casos em cada região onde está implantado o Programa.

  1. Organograma da metodologia do Programa Mediação de Conflitos

Utilizando de um desenho formulado6 para dimensionar os conceitos teóricos e fundamentos do Programa Mediação de Conflitos, apresentamos o organograma abaixo (Figura 1), onde são identificados os conceitos-chave que perpassam todas a metodológica do Programa. O uso do organograma retoma as publicações anteriores e sedimentam reflexões há tempos discutidas. Nele estão situados conceitos basilares, sendo que cada um deles está interligado aos demais, formando uma leitura que o sustenta, integra e traz coerência aos 4 eixos de atuação (eixo individual, eixo coletivo, eixo projeto temático e eixo projeto institucional) do Programa Mediação de Conflitos.

 

Figura 1 – Organograma do Programa Mediação de Conflitos

ariane gontijo texto 1

Fonte: Programa Mediação de Conflitos (2010: 16).

3.1 Núcleo Conceitual

O Núcleo Conceitual é a estrutura fundante que organiza os conceitos do Programa Mediação de Conflitos, com vistas no paradigma da Mediação Comunitária, para tanto, a noção de prevenção social à violência e à criminalidade é o que interliga os demais conceitos basilares, e são identificados 4 conceitos base:

1) Acesso a direitos; 2) Resolução pacífica de conflitos; 3) Princípios e técnicas da mediação e 4) Organização comunitária. Cada um desses conceitos está interligado entre si, sustentando as teorias, as técnicas e os instrumentos implementadas por meio dos 4 eixos de atuação (eixo individual, eixo coletivo, eixo projeto temáticos e eixo projetos institucionais) do Programa.

3.1.1 Prevenção social à violência e à criminalidade

A referência aos fatores de riscos, já mencionados acima, e que levam algumas comunidades a vivenciarem com mais propensão às manifestações das violências, dos processos de criminalização e da própria criminalidade, e em contraposição a esses fenômenos, a prevenção social à violência e à criminalidade pressupõem a criação de fatores de proteção, como recursos favoráveis a construção de ciclos virtuosos de proteção, por meio da valorização das potencialidades e da participação da própria comunidade, um modelo sistêmico identificado como Modelo Ecológico de Segurança Pública é o aporte teórico que se baseia o Programa Mediação de Conflitos.

O Modelo Ecológico percebe as relações sociais em perspectiva sócio-histórica sistêmica, ampla e complexa. Trata-se de uma ferramenta conceitual que permite, por parte das equipes do PMC, a leitura da realidade em conjunto com as comunidades locais, auxilia no modo de identificação dos dilemas enfrentados. Nesse sentido, passa-se a perceber e a reconhecer os fatores de risco que tornam a região vulnerável à emergência da violência e da criminalidade, obtendo, portanto, condições de intervenção concretas e delineamento de novas maneiras de lidar com os conflitos de modo a fortalecer os fatores de proteção.

3.1.2 Acesso a direitos

Pode-se dizer que favorecer o acesso a direitos e as garantias fundamentais permite fortalecer fatores de proteção, em comunidades e regiões marcadas pela pobreza, pelas violências e pela exclusão. Nas palavras de Gustin (2005), uma das idealizadoras da metodologia adotada pelo Programa Mediação de Conflitos acredita- se,

(…) uma metodologia eficaz de constituição de capital social e humano para a minimização de violências, dentre estas a situação de pobreza e indigência, poderia gradualmente reverter em parte este quadro de desenvolvimento social negativo. (GUSTIN, 2005: 188)

O acesso a direitos pode ser entendido como um processo de/em ação, que por meio da atuação do Programa, trabalha de forma efetiva para o alcance da autonomia, da emancipação e da responsabilização dos grupos sociais e dos sujeitos locais. Grupos sociais e sujeitos autônomos devem ser antes de tudo sujeitos de direitos, para tanto, com estas condições tornam-se responsáveis pelo seus próprios destinos e assumem uma postura ativa diante da vida social que os cerca. Esse sujeito de direitos, em função do processo pedagógico da atuação desenvolvida pelo PMC, atue de maneira ampliada como um agente crítico e consciente, que lute e reivindique os seus direitos. As transformações vivenciadas pelas comunidades podem eventualmente envolver outros atores em torno da luta por direitos coletivos. Nesse contexto de fortalecimento dos laços sociais e comunitários, percebemos claramente o acúmulo de capital social e a criação de um ciclo virtuoso capaz de gerar fatores de proteção que tornam as comunidades menos vulneráveis a emergência da violência e da criminalidade.

Sabemos, portanto, que os processos de transformações individuais e/ou comunitárias muitas vezes é lento e gradual. Com base nas complexidades dos contextos de atuação do Programa, podemos afirmar que o acesso a direitos não é a transmissão de informações, ou mesmo a tradução de Códigos e a aplicação de Leis, trata-se do insumo a processos qualificados de promoção da reflexão e de convocação das vontades pelas pessoas, grupos e comunidades, rompendo com paradigmas tradicionais, muitas vezes ausentes ou mesmo violentos, partimos do participação dos atendidos como instrumento de construção de conhecimento sobre os direitos e a cidadania. O acesso a direitos ganha uma perspectiva participativa quando cada ator envolvido é levado a refletir sobre sua condição, sobre seus valores e sobre as relações sociais até então estabelecidas. De forma clara e não assistencialista, os atendidos são questionados quanto às expectativas de que o Poder Público, com histórico de atuação paternalista, resolva os seus problemas.

Para tanto, a cidadania postulada com a Constituição Brasileira de 1988, veem sendo construída de forma processual a partir da participação dos cidadãos, fazendo afirmar os seus direitos. Gustin apud Mediação e Cidadania: Programa Mediação de Conflitos (2010) argumenta que,

O resgate dos direitos humanos em localidades de extrema exclusão (favelamentos) e de periferias e, inclusive, de países também periféricos, exige que seja atribuído às populações destas localidades o status de sujeito de sua própria história, no interior de um processo pedagógico edificante e emancipador. Há que se instaurar um processo onde as pessoas tornam-se atores conscientes de sua exclusão e de seus riscos e danos e de suas possibilidades de solução. Só assim, e exclusivamente assim, é que a adversidade pode ser superada ou minimizada. (GUSTIN, 2005: 210)

3.1.3 Resolução pacífica de conflitos

A Resolução pacífica dos conflitos está vinculada aos ideais constitucionais de consolidação do Estado Democrático de Direitos postulados no Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em outubro de 1988, com o seguinte enunciado:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2008: 37, grifo nosso)

Para compreendermos mais sobre a Resolução pacífica de conflitos, faz necessária o entendimento sobre o que são conflitos. Os conflitos são processos históricos que revelam confrontos, contrapontos ou divergências de opiniões, metas ou interesses. Esses processos são aceitos ou não, de acordo com as normas e valores sociais de cada sociedade. Conforme a visão positiva dos conflitos, estes são vistos como elementos inerente as relações humanas e a organização social, constituindo uma oportunidade impulsionadora de desenvolvimento, crescimento, reflexão e amadurecimento. Segundo Nascimento e El Sayed apud Mediação e Cidadania: Programa Mediação de Conflitos (2010),

O conflito é fonte de ideias novas, podendo levar a discussões abertas sobre determinados assuntos, o que se revela positivo, pois permite a expressão e exploração de diferentes pontos de vista, interesses e valores. (NASCIMENTO; EL SAYED, 2002: 47).

Neste sentido, ao localizarmos os conflitos no cenário brasileiro, sabemos conforme DaMatta (1997), que estes nem sempre foram reconhecidos pelas autoridades públicas e pela própria sociedade que se formara no país, sendo na atualidade um dilema para sua condução, administração ou gestão. O reconhecimento dos conflitos segundo o autor traz para a interpretação da cultura brasileira os traços mais indesejáveis, denotando os ritos e papeis hierárquicos, contraditórios e autoritários de poder, especialmente quando aqui tratamos da resolução destes conflitos, especialmente por enxergá-los como central na consolidação dos direitos. Para tanto, torna-se necessário o estabelecimento de uma gestão adequada dos conflitos, levando em consideração esses aspectos e processos sócio-históricos, e é nesse cenário que o paradigma da Mediação Comunitária, conforme já mencionamos acima, surge como aparato conceitual que pretende favorecer a resolução pacífica dos conflitos, de modo a gerar crescimento pessoal, comunitário e social. A ideia da mediação é conduzir o diálogo e abrir canais para a expressão dos afetos, dos valores e dos interesses, possibilitando aos envolvidos condições de resgatar as causas ou origens dos conflitos, de maneira pessoal e social. Tratando da difusão de novos paradigmas a serem apropriados por grupos sociais que de maneira dialógica fomentem a redes valorativas capazes de questionar as normas sociais hierarquizantes historicamente, buscando novas respostas, distintas das manifestações violentas, das culturas com foco litigante e das tradicionais formas de solução aos conflitos.

3.1.4 Princípios e técnicas da mediação

Para apresentarmos os princípios e as técnicas da mediação, será necessário explanar sobre as definições do conceito de mediação. Para tanto, devemos dizer que a ideia da mediação tem origem histórica antes mesmo do Velho testamento, seu percurso e existência sempre se prestaram como auxilio as pessoas na condução de comportamentos individuais e sociais. Sabemos que as diversas culturas, sempre utilizaram da mediação como prática para solução dos conflitos entre os povos e nações. Ao longo dos séculos, e especialmente com o advento do Estado Moderno, a mediação foi sendo incorporada como método institucional de resolução de conflitos, sendo experimentada como método de resolução extrajudicial de conflitos no século XX a partir da Escola de Harvard. Seus conceitos são amplos e diversos, existem distintas correntes que desenvolvem teorias sobre o conceito e a sua aplicação, seja em qual contexto for, compreendemos que a mediação é muito mais que um procedimento institucional de solução de conflitos, é, sobretudo, uma visão de paradigma sobre as relações sociais, mas utilizaremos, com base em Vezzulla (1995), uma definição que comporta o entendimento sobre a mediação adotado pelo Programa Mediação de Conflitos, nas palavras do autor:

A mediação é uma técnica de resolução de conflitos não adversarial que, sem imposições de sentenças ou laudos e com um profissional devidamente formado, auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preservá-los num acordo criativo onde as duas partes ganham. (VEZZULLA, 1995: 15)

Com base no organograma exposto acima (Figura 1), os princípios e as técnicas da mediação são norteadores de todos os eixos de atuação do Programa, e em todas essas intervenções, o olhar dos mediadores também terá esse mesmo norte teórico. Observamos que os princípios da mediação revelam de maneira primordial a identidade do Programa Mediação de Conflitos, permitindo que o trabalho realizado seja diferenciado de outras ações, projetos, programas e demais políticas públicas. Dessa forma, os princípios destacados aqui funcionam como conectores metodológicos das ações desenvolvidas pelo Programa, mantendo a coerência institucional e atuando como norteadores para as equipes, supervisão e coordenação. Antes de apresentar cada um destes princípios, é importante deixar claro que elegemos alguns princípios basilares dentro do leque conceitual da mediação em âmbito internacional, portanto, a proposta não é esgotar uma discussão teórica sobre as bases da mediação tão pouco abordar todos os princípios que embasam a mediação, mas fazer luz a existência destes princípios na prática e experiência do PMC.

Conforme análise em Programa Mediação de Conflitos (2009) e Mediação e Cidadania: Programa Mediação de Conflitos (2010), aqui também vale dizer que esses princípios não são de propriedade exclusiva da mediação, quando pensamos o seu método, sabemos que a mediação é a responsável por agrupar esses princípios em sua integralidade metodológica, mas que são conceitos utilizados isoladamente ou em subgrupos em outros contextos e práticas dentro das ciências humanas e sociais. Além disso, o objetivo aqui não é discutir cada princípio e conceito de forma aprofundada, mas apenas permitir uma percepção da integração que os referenciais a seguir promovem para a metodologia do Programa.

  1. Voluntariedade / Liberdade dos envolvidos

O trabalho desenvolvido pelo Programa Mediação de Conflitos é pautado pela adesão voluntária dos grupos sociais, processo no qual as pessoas escolhem qual o instrumento adequado dentro dos eixos do Programa ou mesmo se ela quer ser atendida ali, para lidar com a questão trazida, problema vivido ou mesmo os conflitos apresentados. Caso a pessoa aceite, o trabalho desenvolvido será continuadamente pautado por esse principio da liberdade entre as partes, sendo que durante o desenvolvimento metodológico do trabalho, cada envolvido poderá tomar as decisões sobre os rumos a serem tomados com relação à demanda apresentada, sempre baseado na promoção e garantia dos direitos humanos. No caso da pessoa não aceitar o trabalho desenvolvido pelo programa, certamente é tarefa institucional do mesmo indicar as possibilidades externas ao espaço proposto, seja o poder Judiciário entre outras políticas públicas do Poder Executivo e ONGs em geral. (Programa Mediação de Conflitos, 2009; Mediação e Cidadania: Programa Mediação de Conflitos, 2010)

  1. Diálogo

A principal ferramenta de trabalho utilizada pelo Programa é o diálogo. Em todos os eixos de atuação do PMC, o diálogo é considerado o instrumento a que se recorre para promover reflexão e transformação das relações sociais. Conforme Leandro; Cruz apud Six (2007) o diálogo irá proporcionar as formas possíveis na administração dos conflitos, é a partir do diálogo verdadeiro e sincero entre os grupos sociais que poderemos almejar os anseios de justiça e de solução de problemas, abrindo as oportunidades para que as pessoas possam se apropriar dos discursos enunciados, e com base neles pactuem formas novas de resolução dos conflitos.

  1. Cooperação

A cooperação para o PMC pode ser compreendida como a ruptura das posições rígidas, fazendo sobressair os interesses reais das pessoas e grupos sociais, que com base na construção de saídas conjuntas entre os envolvidos em dada situação ou conflito pretende obter uma ação cooperada, destacando as vontades individuais e somando aos interesses e necessidades interpessoais e coletivos.

  1. Restauração das relações

Conforme destacado em Mediação e Cidadania: Programa Mediação de Conflitos (2010), a “restauração das relações” visa restabelecer o diálogo entre as pessoas e restaurar relações rompidas, seja entre indivíduos, grupos ou instituições, mesmo que o objetivo não seja o restabelecimento dos vínculos, a proposta é favorecer o diálogo e a cooperação, resgatando a trajetória de rompimento, positivando ultrapassar as posições e chegar aos interesses que originaram dado conflito. A restauração das relações no PMC acontece no procedimento de mediação propriamente dito e em todos os seus eixos atuação, sobretudo, merece destaque a sua utilização na formulação nos projetos e nos casos de orientação, na atuação coletiva, na organização comunitária e no fortalecimento da rede local.

  1. Responsabilização

Segundo as reflexões postuladas em Programa Mediação de Conflitos (2009), o termo “responsabilidade” refere-se aos deveres e obrigações ligados a dada ação. Com base na teoria jurídica, responsabiliza-se aquele quem delibera, pois, ao realizar uma conduta, deve-se ser assumir os resultados e processos orientados pelo seu próprio comportamento. Ao tratarmos das responsabilidades, devemos compreender a responsabilização pelas pessoas e grupos sociais que possuem além da plena capacidade de assumir as consequências de suas ações, mas que sejam, de fato, sujeito de direitos. No âmbito de atuação do PMC, quando tratamos da responsabilização, é necessário agregar a dimensão dos direitos humanos e garantias fundamentais. Para Gustin (1999:31), esse limite definiria a capacidade indispensável e mínima para a atribuição de responsabilidade às pessoas. Tomando esta ideia para a dimensão de uma democracia participativa, em que os direitos devem ser exercidos, pois nem sempre são dados aos indivíduos de uma forma ampliada, percebemos que a esfera da responsabilidade alarga-se ainda mais.

Conforme discutido em Mediação e Cidadania: Programa Mediação de Conflitos (2010), entendemos a responsabilização como uma meta com elevado potencial transformador, pois as pessoas e grupos sociais que acessam o PMC, na expectativa de adquirir um “bem ou resposta do Estado”, se deparam com outra proposta, a da participação, para tanto, sabemos que também será necessário romper com essa tradição clientelista e patrimonialista adquirida historicamente na formação das políticas no caso brasileiro, onde um terceiro decide e resolve os problemas e anseios da população.

  1. Emancipação

Nas análises feitas em Programa Mediação de Conflitos (2009) e Mediação e Cidadania: Programa Mediação de Conflitos (2010) percebemos algumas semelhanças entre os conceito de empoderamento apud Baquero (2007) e emancipação apud Gustin (1999), mas sabemos das suas distinções, deixaremos as discussões sobre empoderamento por parte do primeiro autor. Para este texto focaremos a emancipação com base na segunda autora, Gustin (1999) apresenta a emancipação como a capacidade da comunidade de dialogar, influenciar, deliberar e intervir em suas próprias decisões e também dos demais atores institucionais, sejam instituições públicas ou privadas, percebendo-se como ator social capaz de atuar na solução de seus problemas, a partir de relações de organização e de solidariedade, minimizando os efeitos causados pelos danos econômicos e sociais. Nas palavras da autora, a emancipação é a:

Capacidade de permanente reavaliação das estruturas sociais, políticas, culturais e econômicas do seu entorno, com o propósito de ampliação das condições jurídico-democráticas de sua comunidade e de aprofundamento da organização e do associativismo com o objetivo de efetivação das condições políticas pelas mudanças essenciais na vida dessa sociedade para a sua inclusão efetiva no contexto social mais abrangente. (GUSTIN, 1999: 22)

No desenvolvimento dos eixos de atuação do PMC, busca-se estimular a comunidade a participar de espaços de discussão em torno dos principais problemas vividos na realidade das pessoas e grupos sociais. Dessa forma, a promoção da cidadania e emancipação constituem é um processo a ser desenvolvido a médio e longo prazos, pois envolve mudanças comportamentais, culturais e sociais de indivíduos e coletividades. A metodologia do PMC busca abarcar a promoção da reflexão sobre a realidade vivida, estimulando a tomada de decisões, incentivando a vivência da democracia, entre outras ações. A orientação sobre os direitos e deveres também são formas de estimular a emancipação, abrindo as possibilidades e opções de ação, enfrentando relações de dependência, submissão, alienação, opressão, dominação, especialmente quando tratamos as relações de gênero.

  1. Empoderamento

Conforme análise realizada em Programa Mediação de Conflitos (2009), encontramos Lawson apud Baquero (2007) definindo o empoderamento como um processo por meio do qual pessoas, organizações e comunidades adquirem controle social sobre questões de seus interesses. Os autores compreendem o empoderamento como processo e resultado, emergindo de um processo de ação social, no qual os indivíduos tomam posse de suas próprias vidas, pela interatividade com outros indivíduos, gerando pensamento crítico em relação à realidade social, favorecendo a construção da capacidade pessoal, comunitária e social, possibilitando a transformação das relações sociais de poder. Segundo as palavras literais de Baquero (2007),

Empoderamento, enquanto categoria perpassa noções de democracia, direitos humanos e participação, mas não se limita a essas. É mais do que trabalhar em nível conceitual, envolve o agir, implicando processos de reflexão sobre a ação, visando uma tomada de consciência a respeito de fatores de diferentes ordens – econômica, política e cultural – que conformam a realidade, incidindo sobre o sujeito. (BAQUERO, 2007: 142)

Dentro das diferentes dimensões que o conceito abarca, para o PMC utilizamos as suas dimensões individuais, interpessoais, coletivas e comunitárias, todas as perspectivas sobre a noção de empoderamento devem considerar as características da Mediação Comunitária, que segundo Baquero (2007), trata de maneira geral a revisão das pessoas com relação ao acessos a direitos e as formas de solução de conflitos, nas palavras do autor,

O empoderamento comunitário se direciona ao desenvolvimento da capacitação de grupos desfavorecidos para articulação de interesses e participação comunitária, visando à conquista plena dos direitos da cidadania, à defesa de seus direitos e à influência em ações do Estado. (…) No contexto do processo de empoderamento comunitário, é fundamental o engajamento da população na compreensão da problemática que afeta as suas condições de vida, na discussão de soluções alternativas, na definição de prioridades e na decisão a respeito de estratégias de implementação de programas, seu acompanhamento e avaliação. Trata-se de desenvolver competência para um agir político e para atuar sobre os fatores que incidem na qualidade de sua vida. É fundamental que a comunidade participe como sujeito, e não como objeto, desse processo. Desse modo, não se trata de uma mera participação, reduzida a uma presença física em assembleias, para atingir metas previamente estabelecidas. (BAQUERO, 2007: 141)

  1. Autonomia

Segundo as discussões realizadas em Programa Mediação de Conflitos (2009), podemos dizer, etimologicamente, que a palavra autonomia vem do grego, onde “autos” quer dizer a si; “nomos” quer dizer regra ou lei, e foi usada para designar as cidades-estados gregas que se pretendiam autônomas, ou seja, eram governadas por suas próprias leis e não estavam submetidas ao julgamento de outras cidades, para tanto, eram independentes e se autogovernavam. Posteriormente, o termo foi adotado para designar o homem, uma vez que este é o único ser na natureza capaz de obter autonomia, mesmo que por vez movidos por impulsos irracionais, é capaz de deliberar

sobre suas ações e pautar-se diferentemente pelas condições externas ou mesmo desejos internos, de acordo com sua racionalidade. O homem é um ser de liberdade, pois é livre das leis da causalidade da natureza e capaz de autogoverno, regido por leis e regras. Importante ressaltar, que esta tradição, com base nos postulados do Mundo Antigo e principalmente com base nos clássicos da Teoria Moderna, são estruturalmente organizados na versão literal de “homem”, portanto, quaisquer discussões que tratam da “mulher”, quando pensamos autonomia é postulado muito tardiamente, por autoras, mulheres e feministas, como Pateman (1993). Neste sentido, o conceito de autonomia, de autogoverno, deve ser regido com base nas relação de equidade de gênero. Gustin (1999) destaca as pessoas e o desenvolvimento da autonomia como a capacidade

(…) de fazer escolhas próprias de formular objetivos pessoais respaldados em convicções e de definir estratégias mais adequadas para atingi-los. Em termos mais restritos, o limite da autonomia equivaleria à capacidade de ação e de intervenção da pessoa ou do grupo sobre as condições de sua forma de vida. (GUSTIN, 1999: 31).

Para o PMC, segundo os estudos realizados em Programa Mediação de Conflitos (2009), ser autônomo é também a capacidade de reconhecer que os outros também são sujeitos de direitos, e que esta é uma necessidade primordial de pessoas e grupos sociais. Isto porque ser autônomo envolve uma dimensão social. Autonomia para Gustin (1999) trata da natureza social, onde o indivíduo só pode aprendê-la na sua interação dialógica com os demais. Para a autora apud Habermas defende que “a capacidade de autonomia é construída a partir do aparecimento de novas identidades, surgidas de interações conflitivas, que se efetivam quando se harmonizam com as identidades tradicionais, superando-as” (GUSTIN, 1999: 32). Ainda segundo a autora apud Habermas e Taylor “a condição de autonomia dá ao indivíduo a capacidade de transcender uma visão tópica da comunitária e os limites de uma linguagem e de uma estrutura conceitual particular através da sua capacidade de aprendizagem, de criatividade e de interação”. (GUSTIN, 1999:32)

O PMC trabalha fomentando a autonomia do indivíduo em todos os eixos de sua atuação. A reflexão crítica se dá no sentido que ele construa soluções para sua demanda e reconheça no outro um como sujeito autônomo, portador de direitos e capaz de criar soluções para a questão que os atinge, promovendo soluções aos conflitos. A mediação e as demais intervenções propostas pelo Programa não se constituem como um processo impositivo e não cabe às equipes técnicas decidir ou dar sugestões quanto aos rumos que os envolvidos devem tomar. A autonomia constitui peça fundamental do desenvolvimento comunitário e social, podendo ser conceituada como a capacidade de crítica, decisão e atuação frente aos dilemas enfrentados ou a capacidade demonstrada por indivíduos ou grupos de agir de forma consciente e responsável pelo próprio destino.

3.1.5 Organização comunitária

A organização comunitária é desempenhada pelo PMC nas ações realizadas junto à rede ou comunidade local, pois todos os eixos de atuação do Programa estão articulados entre si, e o entendimento conceitual de que para gerar a emancipação, a responsabilização, a autonomia, a cooperação, faz-se necessário estimular o trabalho em rede e em conjunto com as pessoas e grupos sociais das comunidades.

Para tanto, a noção de organização comunitária se baseia na participação social, e é utilizada no Programa Mediação de Conflitos a partir de alguns conceitos da ação coletiva de pessoas ou grupos sociais, tais como: capital social, redes sociais mistas, pesquisa-ação e mobilização social. Cada um desses conceitos está interligado, e estão metodologicamente definidos pela constituição de capital social como uma das formas para minimizar os efeitos da exclusão social e da pobreza.

O conceito de capital social é estruturante na elaboração da metodologia do Programa desde sua origem, faremos uma breve elucidação do mesmo no intuito de demonstrar a sua importância quando tratamos da organização comunitária. Gustin (2005) compreende capital social como “a existência de relações de solidariedade e confiabilidade entre indivíduos, grupos e coletivos, inclusive a capacidade de mobilização e organização comunitárias, traduzindo um senso de responsabilidade da própria população sobre seus rumos e sobre a inserção de cada um no todo” (GUSTIN, 2005:11). Para a autora, as ações e reivindicações devem ocorrer de forma organizada, sistemática e permanente no cotidiano dos grupos sociais e comunidades, a partir da revisão das práticas sociais, favorecendo a mobilização social e a organização popular, garantindo a cidadania. Outra definição adotada, e mencionada na Revista Entremeios do PMC, conforme Franco apud Leandro, vai dizer que o capital social encontra campo propício para acumulação quando,

(…) à medida que atitudes de autonomia materializam-se em forma não-hierárquica de relacionamento humano e, à medida que atitudes democráticas correspondam a modos não- autocráticos de regulação de conflitos, marcados pela horizontalização das relações, o capital social encontra campo propício para sua produção, acumulação e reprodução. (FRANCO apud LEANDRO, 2007: 43)

O PMC nos permite analisar e ressaltar que o Poder Público assume um papel central como arena de convergência das demandas sociais, enquanto mobilizador de capital social, defende Galgani (2007). Para o autor, o poder público poderá contribuir no fomento e fortalecimento de relações sociais baseadas na confiança e reciprocidade, de modo a estimular a participação de pessoas e grupos, e na articulação dos mesmos na solução de problemas compartilhados e na defesa do interesse coletivo.

Putnam (1996), apresenta o conceito de capital social, tratando da análise do resultado de um trabalho de pesquisa iniciada em 1970, com duração de 20 anos, e que teve como referência as regiões da Itália entre o norte e sul, discorreu sobre a ampla diversidade existente na península, visando, realizar uma investigação referente ao desempenho das instituições e as adaptações destas ao seu contexto social. Para tanto, o autor realizou um acompanhamento das mudanças administrativas da Itália ocasionadas pela reforma política no início da década de 70, em uma análise comparativa sobre os processos de decisões adotados politicamente em cada uma das regiões pesquisadas pelo autor, onde se constatou importantes diferenças entre estas regiões. O autor menciona que pesquisas empíricas levadas a cabo num contexto amplo têm confirmado que as normas e redes de engajamento cívico, ou seja, a presença de capital social pode melhorar a educação, diminuir a pobreza, controlar a criminalidade, propiciar o desenvolvimento econômico, promover melhores governos e até reduzir os índices de mortalidade, assim nas palavras do autor,

Capital social além de se constituir como um bem público, diz respeito a características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas. (PUTNAM, 1996: 177)

O Programa Mediação de Conflitos, implementado nas comunidades como vilas, favelas, aglomerados e bairros periféricos, compreende que a participação comunitária acontece de maneira singular, demonstrando sobretudo, as formas de organização do capital social local. Assim, o capital social preexistente em cada comunidade deverá ser reconhecido por meio da concepção específica de sua formação dada as variações de cada realidade. Neste sentido, sabemos que existem diversas fontes de verificação da constituição de capital social, desde ações que circunscrevem um âmbito mais individual até as ações coletivas. Portanto, para a identificação do capital social, é necessário conhecer e identificar os grupos representativos em cada região, realizando o Diagnóstico Organizacional Comunitário. O PMC, de forma geral, visa favorecer a mobilização e o fortalecimento desses grupos por meio de pesquisas, diagnósticos e pelas relações constituídas em cada realidade, provocando reflexões sobre a participação comunitária e a diminuição dos dilemas da ação coletiva.

De acordo com Programa Mediação de Conflitos (2010), destacamos que o tempo de existência do Programa Mediação de Conflitos nessas regiões é recente, assim o entendimento sobre a importância do envolvimento das comunidades na construção de uma política e na consolidação e constituição de capital social acontece gradualmente, vencendo um histórico de desigualdades generalizadas, de baixa participação cívica, de impunidades, de frustrações e ausências de bens públicos e materiais em relação ao papel do Estado.

A rede social mista é concebida pelo PMC como uma importante maneira de intervir junto às comunidades, apresentando as formas de associar e agir entre pessoas, grupos e entidades. A ideia de rede pode ser definida, dado o seu aspecto formal, como um conjunto de pontos interligados, podemos falar de redes de computadores, trabalho em rede, rede social, entre outros. A noção de rede é utilizada para designar ou qualificar sistemas, estruturas ou desenhos organizacionais que se caracterizam por uma grande quantidade de elementos, mas com alguma ligação entre si. (MARTINHO, 2003)

Segundo análise em Programa Mediação de Conflitos (2010) não podemos denominar rede qualquer trabalho feito em grupo ou através de uma estrutura organizacional. A rede tem um atributo fundamental mantida por uma dinâmica de relacionamento horizontal, quer dizer que as decisões não são tomadas de forma hierárquica. Nesta dinâmica da rede, o relacionamento é horizontal e não hierárquico, as decisões são tomadas pelos participantes da rede a partir de um consenso entre si, apresentando características tais como: a) exigir que os participantes estejam ligados em torno de um objetivo comum; b) que esteja aberta sempre a novas relações com outros indivíduos e participantes de outros grupos; c) que seja descentralizada, onde as decisões são tomadas de forma participativa entre os envolvidos; e d) que ela tenha uma auto-organização, ou seja, a ausência de hierarquia não significa que a rede funcione sem obediência as regras e princípios estabelecidos pelo envolvidos na mesma. O conceito de rede é de suma importância na construção de uma democracia participativa, garantindo espaço para que as decisões sejam tomadas a partir do consenso entre atores políticos de um Estado.

O PMC desenvolve sua atuação de fomento a articulação entre as entidades e a consolidação de parcerias, seja por meio de espaços regulares já constituídos ou mesma na consolidação de novos espaços de rede. A entrada do Programa nas comunidades só é viabilizada por meio das lideranças e entidades já atuantes na região, pois são estes, como explicitado, que ajudam a legitimar o trabalho junto à comunidade.

O terceiro conceito importante da organização comunitária é a proposta do método de pesquisa-ação, que se constitui a partir do estabelecimento de “um espaço de interlocução onde os atores implicados participam da resolução dos problemas, com conhecimentos diferenciados, propondo soluções e aprendendo na ação” (THIOLLENT apud Programa Mediação de Conflitos, 2009: 49/50). Para o Programa Mediação de Conflitos, a metodologia de pesquisa-ação é adotada, segundo os preceitos do programa Pólos, integrando teoria e prática social, estruturada nos conceitos de cidadania, subjetividade e emancipação. Trata-se de investigar situações sociais, que envolvem pessoas, organismos sociais, normas e critérios específicos e problemas de naturezas diversas. As finalidades de investigação são tanto teóricas quanto práticas: o aumento de conhecimento das situações deverá permitir o equacionamento de problemas comunitários reais e à ampliação das capacidades de transformação dos contextos ou de condutas. (Mediação e Cidadania: Programa Mediação de Conflitos, 2010)

Para o PMC, a dúvida e a indagação são ferramentas essenciais do referencial teórico da mediação, assumido por seus profissionais, com postura de aprendizes e investigadores. O olhar do “mediador” permanece voltado sempre para a construção de conhecimento sistêmico, visando apreender as conexões estabelecidas no contexto das relações interpessoais, intergrupais ou interinstitucionais; analisando um saber que não está dado, mas que é parte da valorização e implicação de cada ator envolvido da realidade local.

A equipe de profissionais (mediadores, técnicos e estagiários) que atua no PMC, assim como os pesquisadores, exercem um papel de facilitadores e articuladores, procurando valorizar as potencialidades locais e levando os envolvidos a refletirem sobre a resolução das demandas, qualquer que seja ela, a partir de buscas e saídas criativas e adequadas aos dilemas apresentados.

Outro conceito da organização comunitária é o conceito de mobilização social, sendo essencial, na medida em que as pessoas e grupos sociais busquem a efetiva democracia participativa, que, na definição de Mafra (2006), pode ser entendida como:

a participação ativa de uma sociedade civil mobilizada em que os sujeitos, na qualidade de participantes de um debate público, buscam balizar as regras que regulam a vida coletiva por meio de uma prática efetiva de comunicação, voltada para o entendimento”.

A mobilização social segundo Henriques apud programa Mediação de Conflitos (2009) pode ser entendida como “a reunião de sujeitos que pretendem resolver problemas e transforma realidade, em relação a uma causa que pode ser considerada de interesse público” (HENRIQUES apud Programa Mediação de Conflitos, 2009: 53)

4. Eixos de atuação do Programa Mediação de Conflitos

O Programa Mediação de Conflitos está estruturado em 04 eixos de atuação: 1) Eixo Atendimento Individual, 2) Atendimento Coletivo, 3) Projetos Temáticos e 4) projetos Institucionais, vejamos como se organize cada eixo a seguir:

4.1 Eixo Atendimento Individual

No Eixo Atendimento Individual, a atuação se dá através da realização de atendimentos individuais7 de mediação e/ou orientação. Esses são realizados por uma dupla interdisciplinar e geralmente acontecem no espaço físico do PMC. Em casos excepcionais, o atendimento pode ocorrer em outro local, como instituições da rede local ou associações comunitárias, para facilitar o acesso das pessoas que, por motivos de dificuldades de locomoção ou mesmo por outras motivações advindas das demarcações do território não possam circular na comunidade, não podem acessar diretamente o espaço do PMC. Assim, o Eixo Atendimento Individual é organizado segundo o fluxograma apresentado a seguir (Figuras 2 e 3).

 Figura 2

ariane gontijo texto 2

Fonte: Programa Mediação de Conflitos (2010:33)

Figura 3

ariane gontijo texto 3

Fonte: Programa Mediação de Conflitos (2010:34)

O acesso das pessoas ao Programa Mediação de Conflitos se dá por meio de encaminhamentos da rede parceira, de lideranças locais, da indicação de outros atendidos (boca-a-boca), dos vizinhos, dos familiares ou por iniciativa própria. Muitas vezes, as pessoas chegam ao PMC sem conhecer o funcionamento do mesmo, com expectativa de que serão atendidas por “advogados e psicólogos, e que estes resolverão os seus problemas”. Cabe à equipe de mediadores, já no primeiro atendimento, começar a desconstruir esse imaginário, apresentando como profissional mediador e técnicos sociais ou estagiários, introduzindo alguns princípios fundamentais do trabalho, tais como direitos, autonomia, diálogo, entre outros. Desse modo, o PMC apresenta a pessoa atendida a proposta de auxiliá-la na busca da melhor solução ou administração da demanda apresentada, envolvendo-a enquanto parte atuante. Para isso, faz-se necessário uma postura ativa das pessoas diante da questão trazida.

A principal forma de iniciar os atendimentos se dá através do agendamento prévio de horário. O agendamento é marcado, contudo, casos que são considerados emergenciais, como os casos em que aparecem ameaças ou alguma situação que apresente risco iminente, são atendidos rapidamente, no momento em que o Programa é acionado, e em grande parte das vezes não são casos para mediação propriamente dita. Como o PMC está inserido em Centros de Prevenção à Criminalidade, de base local, a equipe não pode desconsiderar as diversas realidades, entre violências e violação de direitos, que são apresentados ao Programa. Desse modo, para dar uma atenção a tais urgências, as equipes estabelecem parcerias com as redes especializadas de atuação de enfrentamento as várias violências apresentadas, desenvolvendo uma atuação integrada e compartilhada. Passamos adiante, nos passos e etapas adotados pela metodologia do PMC, conforme exposto na Figura 3 acima.

4.1.1 Acolhimento

Conforme análise em Programa Mediação de Conflitos (2010) entende-se por acolhimento o momento em que a pessoa chega ao Programa, relata o seu caso, apresentando a sua demanda, no qual se inicia a construção de laços de confiança com a equipe de mediadores. No momento do acolhimento, a escuta é mais importante do que qualquer informação que se possa transmitir àquela pessoa, pois, na maioria das vezes, ela se encontra muito fragilizada, indecisas e diante de pessoas que, por enquanto, lhe são estranhas, mas que de alguma forma ela considera como alguém que pode ajudá-la naquele momento. Isto porque o Programa preza por valorizar a pessoa humana e demonstrar respeito em relação às questões trazidas.

É durante o acolhimento que a equipe faz uma breve apresentação da política e do Programa Mediação de Conflitos. Frequentemente, esse momento de apresentação e explicação vem após a escuta da demanda, pois, muitas vezes, as pessoas chegam muito ansiosas e, logo que entram para a sala de atendimento, já iniciam seus relatos. Após essa primeira escuta e a breve apresentação do PMC e dos métodos de resolução de conflitos, a dupla agenda um novo atendimento. Nesse intervalo, o caso é compartilhado com o restante da equipe, de modo a estruturar a melhor forma de condução, bem como proporcionar um tempo de reflexão e entendimento por parte da pessoa atendida acerca do Programa e do seu interesse na metodologia de trabalho desenvolvida.

Essa etapa pode durar mais de um atendimento, de acordo com a disponibilidade das pessoas. Verifica-se também, nesse processo, se a demanda trata de orientação ou mediação, bem como o interesse das pessoas para participar desse método.

No caso de mediação, a equipe, após a discussão de casos e a aceitação da primeira parte, convida o outro envolvido no conflito a comparecer ao PMC para que possa ser acolhido da mesma forma. Cabe ressaltar que para existir mediação é necessária abertura ao diálogo e o mínimo de equidade de poder entre os envolvidos no conflito. Isso não é possível nos casos em que há violência, cabendo à equipe desenvolver outros métodos, que não se aplicam pela mediação, são casos de orientação, que cabe sensibilizar, encaminhar e acompanhar a demanda junto às redes especializadas. Os casos mais frequentes estão relacionados à violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo fundamental a articulação do PMC com órgãos da rede de enfrentamento à violência contra a mulher. Essa é uma diretriz de trabalho do Programa, que apóia o enfrentamento a todos as formas de violência e violação dos direitos humanos, especialmente de mulheres, jovens, crianças e idosos (as). Em geral, existem também, conforme mencionado acima, demandas emergenciais, que trazem consigo históricos de violência e abuso de poder que impedem o procedimento da mediação e implicam acesso à rede para possíveis encaminhamentos, para que a pessoa seja direcionada a um atendimento especializado. Nesses casos, a equipe investiga o histórico da demanda, avalia os riscos e as possíveis consequências na tomada de decisões, e posteriormente encaminha e acompanha o caso, fazendo contato com o equipamento da rede e especialmente com a própria pessoa atendida.

4.1.2 Discussão de casos

De acordo com as formulações em Mediação e Cidadania: Programa Mediação de Conflitos (2010), a discussão de casos é uma reunião de trabalho na qual a equipe analisa e discute todas as demandas, tanto individuais quanto coletivas, bem como estabelece hipóteses e intervenções. Essa etapa ocorre semanalmente ou, dependendo da complexidade envolvida, imediatamente após o atendimento. Nesse momento, todos os membros da equipe de mediadores podem contribuir com questionamentos, análise metodológica e problematizações até então não percebidos pela dupla que realizou o acolhimento. Nessa reunião, é possível fazer uma primeira avaliação do caso, no que diz respeito à possibilidade de mediação ou do cabimento de orientação. Além disso, a equipe também deve avaliar quais profissionais conduzirão os próximos atendimentos. Ressalta-se que, mesmo o caso onde seja passível de mediação, cabe aos próprios atendidos a opção ou não pelo processo, respeitando na maioria das vezes um dos mediadores que realizou o atendimento. São também nessa discussão que se estudam as peculiaridades do caso, verifica-se se o mesmo extrapola a esfera interpessoal, avaliam-se os possíveis impactos na comunidade e na dinâmica local de violências e criminalidade, verifica-se se os fatores de risco presentes nas demandas, e podem gerar, em algumas das situações, intervenções mais coletivas.

4.1.3 Orientação

Segundo a metodologia do PMC descrita em Mediação e Cidadania: Programa Mediação de Conflitos (2010), o processo de orientação ocorre quando a pessoa busca esclarecimentos acerca de uma situação, sobre como acessar determinado serviço e direitos, como lidar com situações de violação de direitos ou um conflito, dentre outros. As orientações desempenhadas pela equipe trazem consigo os princípios que fundamentam a mediação, de modo a promover autonomia, emancipação, empoderamento e responsabilização na busca pelos direitos e exercício da cidadania. Desse modo, nenhuma orientação desenvolvida pela metodologia do PMC é pura e simples, por mais objetiva que seja a questão trazida. As orientações podem acontecer em apenas um atendimento, bem como podem se desdobrar em vários atendimentos a mesma pessoa ou pessoas.

É possível também, desenvolver o método de orientação quando a pessoa atendida (ou a segunda pessoa envolvida no conflito) não opta pelo processo de mediação, solicitando informações e/ou encaminhamentos a rede parceira. Desse modo, a equipe do PMC esclarece dúvidas acerca de outros procedimentos de resolução de conflitos, etc. Além disso, o Programa encaminha as pessoas para serviços de atendimento gratuito preferencialmente de serviços públicos, do poder judiciário, da defensoria pública, do ministério público ou outro parceiro da rede parceira local. Em alguns casos, são discutidos o entendimento e interesse que a pessoa atendida tem sobre o Programa Mediação de Conflitos, evitando, assim, a utilização inadequada do serviço. Destaca-se, ainda, que os integrantes da equipe do PMC, responsáveis pelas orientações aquelas pessoas que procuraram o PMC, não serão as mesmas dentro do processo de mediação, quando for o caso, porque as pessoas da equipe que prestarem as orientações não devem participar do processo da mediação, pois a orientação é parte da metodologia do PMC, mas não do procedimento de mediação.

4.1.4 Mediação

Conforme já mencionado acima, para o Programa Mediação de Conflitos, a mediação auxilia as pessoas na forma de escolha quanto as tomadas de decisões e solução dos conflitos, por meio do diálogo e do auxilio de um terceiro multiparcial. Segundo a metodologia do Programa, e em consonância com as publicações do Programa Mediação de Conflitos (2007; 2009; 2010), abordam-se nesse método, as fases da mediação de modo a qualificar o procedimento realizado pelo PMC. Destaca- se que as fases descritas abaixo, não acontecem de forma linear e podem ocorrer mais de uma fase em um mesmo atendimento, de modo que a explanação abaixo possui fins didáticos, sabemos o quanto os conflitos são complexos, e não podemos fazer desse procedimento rígido, é necessário manter a sua dinâmica e plasticidade, de acordo com cada caso e/ ou situação. As fases, de acordo com a Figura 3, são:

  1. Pré-mediação
  2. Abertura do atendimento conjunto
  3. Investigação
  4. Agenda
  5. Criação de opções
  6. Avaliação das opções
  7. Escolha das opções
  8. Solução

4.2 Eixo Atendimento Coletivo

O objetivo desse eixo é atender aos casos em que haja á prevalência dos interesses coletivos e que exijam adaptações ao processo de mediação ou orientação por conter questões amplas que tratam das coletividades. Entende-se, no entanto, que não é apenas a natureza coletiva da demanda que faz com que se classifique o caso de tal forma. Por caso coletivo, entendem-se como as demandas de mediação ou orientação trazidas pela comunidade, seja por meio de uma liderança comunitária, sejam pelos demais atores da comunidade, em que são utilizadas as técnicas de mediação e seus princípios. (Programa Mediação de Conflitos, 2009: 81).

Sabemos dos imensos desafios postos a esse eixo, o PMC procura desconstruir a compreensão inicial dos atendidos de que os problemas se apresentam exclusivamente na esfera individual ou interpessoal. É importante fomentar o reconhecimento de que o problema considerado individual ou interpessoal interfere na vida de outros e que as decisões nem sempre poderiam partir do isoladamente. Para alteração da dinâmica do conflito, é requerida análise conjunta e compartilhada de um grupo de moradores, que necessitam identificar um objetivo comum.

O Programa apresenta para a pessoa atendida, a proposta de auxiliá-la na busca da solução ou administração da demanda apresentada, envolvendo-a enquanto participante atuante e ativo, para que seja alcançado o objetivo esperado. Neste sentido, é importante frisar que a metodologia segue uma estrutura básica, composta pelos princípios e elementos que devem ser observados em um caso coletivo, mas não há como propor uma forma fechada, única e linear, já que falar em coletividade significa preparar-se para lidar com a diversidade, onde a criatividade das equipes é constantemente exigida. (Programa Mediação de Conflitos, 2009: 87). O trabalho no âmbito coletivo pressupõe lidar com o sentimento de pertencimento à comunidade, com estímulo a participação social, com fomento a constituição de capital social potencializando as pessoas e os grupos locais comunitários para cooperação coletiva e fins associativos.

4.2.1 Acolhimento

O acolhimento nesse eixo ocorre de forma semelhante ao já descrito no eixo atendimento individual, no que diz respeito à apresentação da Política de Prevenção, do PMC, da dupla de atendimento, da escuta ativa da demanda, construção do laço de confiança, entre outros. Entretanto, algumas particularidades precisam ser destacadas. Uma delas diz respeito ao reconhecimento das pessoas envolvidas na demanda em questão. Assim, nos momentos em que a equipe consegue identificar que a demanda trazida, às vezes por uma única pessoa, envolve um número maior de moradores, por exemplo, uma rua inteira, busca-se discutir junto à(s) pessoa(s) atendida(s) a possibilidade de unir outras forças, a fim de reivindicar e buscar uma solução coletiva.

É necessário que a pessoa ou grupo que traz a questão se considere sempre responsável e desenvolva uma postura ativa diante do problema relatado. Aqui também a busca de informações e a realização de algumas ações serão construídas entre equipe técnica e os demandantes, como, por exemplo, identificar outras pessoas diretamente afetadas pelo problema e que poderiam, desse modo, ser convidadas para os próximos encontros.

Após esse processo de reconhecimento dos participantes, a equipe fará a escuta ativa das percepções de cada um dos envolvidos sobre o conflito e trabalhará a mobilização das pessoas, conforme será tratado mais adiante. A partir de uma maior compreensão da natureza do conflito pela equipe técnica e pelos demandantes, será construída uma a forma de intervenção mais apropriada: mediação ou orientação.

4.2.2 Discussão de casos

Este é o momento em que a equipe analisa o caso apresentado e constrói possíveis intervenções. Ao proceder ao estudo do caso, consegue-se ter uma visão abrangente sobre a questão apresentada, identificar as particularidades e objetivos comuns, bem como posições e interesses que possam unir pessoas direta e indiretamente envolvidas com o problema. No atendimento coletivo os casos podem se configurar como casos de orientação ou de mediação.

4.2.3 Orientação

As equipes percebem que muitas das demandas coletivas que chegam ao PMC não são passíveis de mediação, mas trata-se de pessoas e/ou grupos que não têm acesso ou desconhecem a seus direitos fundamentais. Nesse sentido, a orientação ganha espaço e contribui para o fomento à cidadania. Pode acontecer em apenas um atendimento, bem como se desdobrar em vários. Percebe-se que, em muitos casos de mediação, fazem-se necessárias também orientações que, no âmbito coletivo, trazem consigo, na maioria dos casos, o acesso a direitos e/ou serviços como, por exemplo, a elaboração de estatutos e regularização de documentação de associações. Aqui também, Nas orientações, aplicam-se todos os princípios norteadores das demais ações do PMC.

4.2.4 Mediação

Neste eixo, as etapas pré-mediação, abertura do atendimento conjunto, investigação, agenda, criação, avaliação, escolha de opções e solução são organizadas tendo em vista o contexto coletivo em que se inserem. Dentre as mesmas, destacamos a necessidade de se trabalhar questões próprias da dinâmica grupal, tais como relações de poder, comunicação, liderança, trabalho em grupo e co- responsabilização.

Nesse sentido, objetiva-se a ampliação dos diálogos, a compreensão do conflito, a elaboração de soluções satisfatórias, o desenvolvimento de ações solidárias e o estímulo a formas de comunicação participativas.

4.3 Eixo Projetos Temáticos

Projetos Temáticos se constituem como ações propostas pelas equipes técnicas decorrentes da leitura dos fatores de risco e fatores de proteção identificados a partir da inserção junto às comunidades locais. Tais demandas são observadas por meio da leitura e análise de instrumentos, como relatórios quantitativos e qualitativos, questionários socioeconômicos, Diagnósticos Organizacionais Comunitários, Fóruns Comunitários, Planos Locais de Prevenção à Criminalidade e relatos de gestores, lideranças e associações locais.

As equipes debruçam-se sobre esses instrumentos com o objetivo de propor ações comunitárias que pretendem envolver um número específico de famílias ou grupo-alvo, para se trabalhar as questões que chegaram ao Programa. Pode-se dizer que as Coletivizações de Demandas são ações de menor complexidade que os Projetos Temáticos e geralmente envolvem um tempo menor para sua execução. Enquanto isso, os Projetos Temáticos possuem um maior detalhamento e ocorrem em mais encontros com a comunidade. Os dois seguem um instrumento técnico semelhante, composto pela elaboração de um projeto de execução e de uma matriz do marco lógico8.

4.4 Eixo Projetos Institucionais

O Eixo Projetos Institucionais contempla as ações macro elaboradas pela diretoria do Programa Mediação de Conflitos em nível estadual ou municipal, a partir da leitura da inserção do PMC em suas diversas localidades.

Esse Eixo comporta instrumentos e ações amplos que abarcam muitos ou todas as comunidades nas quais o PMC atua, propondo intervenções que pretendem promover fatores de proteção ou garantir a execução institucional das atividades das equipes técnicas. Ao perceber a incidência repetitiva de alguns fatores de risco em contextos e localidades diferentes, procura-se criar de forma institucional estratégias comuns de intervenção. As ações executadas neste eixo constituem-se de relações institucionais constantes que são celebradas através de instrumentos jurídicos disponibilizados pela Estado como convênios, contratos e termos de cooperação técnica, entre outros.

5. Referências bibliográficas

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LEANDRO, Ariane Gontijo Lopes; CRUZ, Giselle Fernandes Corrêa da. Programa Mediação de Conflitos da Secretaria de Estado de Defesa social de Minas Gerais: delineando uma metodologia em mediação individual e comunitária. In: CASELLA, Paulo Borba; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Mediação de Conflitos: novo paradigma de acesso à justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 201-233.

LUCIANE MOESSA DE (Coord.). Mediação de Conflitos: novo paradigma de acesso à justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 201-233.

MEDIAÇÃO E CIDADANIA: Programa Mediação de Conflitos. Comissão Técnicas de Conceitos (org.). Belo Horizonte: Arraes Editores, 2010.

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PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas. 1996.

ROSENBERG, Marshall B. Comunicação Não Violenta – técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.

SALES, L. M. de M. Justiça e Mediação de Conflitos. Belo Horizonte: Del Rey. 2004

SIX, J. F. Dinâmica da mediação. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

VEZZULA, Juan Carlos. Teoria e prática da Mediação. Curitiba: Instituto de Mediação, 1995.

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Este artigo é resultado da análise crítica e da sistematização dos vários textos e publicações que foram produzidos sobre a metodologia do Programa Mediação de Conflitos ao longo dos últimos 6 anos, além desta análise, o texto obteve a colaboração impar da Comissão Técnica de Conceitos do PMC de 2011. Salientamos, portanto, que o leitor poderá aprofundar em temas específicos contidos neste texto por meio de outras várias publicações já realizadas, especialmente a revista Entremeios publicada em 2007, e principalmente os livros do Programa publicados nos anos de 2009, 2010 e 2011, conforme indicação nas referencias bibliográficas e ao longo deste próprio texto. Por fim, este texto cumpre a finalidade de consolidar e organizar a metodologia do Programa Mediação de Conflitos, por meio de trechos adaptados e já utilizados na descrição metodológica do Programa, tornando uma referência mais sintética, condensada e de fácil leitura. IN: PROGRAMA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: uma experiência de mediação comunitária no contexto das políticas públicas. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2011. http://www.ijucimg.org.br/projetos/livro_programa_mediacao_conflitos.pdf

2Ver site: www.seds.mg.gov.br.

Atualmente a SEDS através da CPEC consolida para uma parceria entre uma OSCIP, denominada Instituto ELO, ver site: www.institutoelo.org.br, e o Programa Mediação de Conflitos conta com mais uma parceria, com a Ong Centro de Defesa da Cidadania (CDC), ver site: www.cdc.org.br .

“Fator de risco é aquele fator que aumenta a probabilidade de incidência ou os efeitos negativos de violências, mas não necessariamente determina a incidência de crimes e violências. Quanto maior a presença de fatores de risco, e menor a presença de fatores de proteção, maior a probabilidade de incidência e de efeitos negativos de crimes e violências. (…) Fator de proteção é o que reduz a probabilidade de incidência ou de efeitos negativos de crimes ou violências. Quanto maior a presença de fatores de proteção e menor a presença de fatores de risco, menor a probabilidade de incidência e de efeitos negativos de crimes e violências.” Ver MESQUITA NETO, Paulo. Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública no Brasil. Ministério da Justiça, 2004. Disponível em http//www.mj.gov.br/services. Acesso em novembro de 2009.

Ver site: www.polos.ufmg.br.

Este organograma foi elaborado durante a gestão da Comissão Técnica de Conceitos do Programa Mediação de Conflitos durante o ano de 2010, e já adotado como instrumento metodológico que organiza os conceitos e marco teórico utilizados pelo Programa. Além deste organograma, a discussão que se segue em seguida é parte da produção teórica realizada pela Comissão Técnica de Conceitos do ano de 2009 e principalmente a Comissão de 2010.

7Destacamos que o atendimento individual não implica na participação de apenas uma pessoa, mas caracteriza-se por conflitos de natureza interpessoal, envolvendo menor número de pessoas.

8Matriz com objetivos, resultados e atividades, seus indicadores verificáveis, meios de verificação e premissas, que facilita o planejamento e elaboração do projeto.